
A presidente do conselho de administração do Hospital da Ilha Terceira rejeitou esta sexta-feira ter interferido na decisão de retirar via aérea um familiar doente em São Jorge, quando havia em simultâneo um pedido de ajuda na Graciosa.
“Eu não interferi, eu tive uma intervenção. No meio médico é frequente haver discussão entre médicos”, adiantou Olga Freitas, pneumologista, admitindo ter telefonado por várias vezes à médica que regula o serviço no Suporte Imediato de Vida (SIV).
A justificação foi dada numa audição na Comissão de Política Geral da Assembleia Legislativa dos Açores, em Angra do Heroísmo, pedida pelo PSD.
O caso remonta a 2 de fevereiro de 2017 e foi noticiado pelo Diário dos Açores a 7 de agosto deste ano. Nesse mesmo dia, o presidente do Governo Regional decidiu abrir um inquérito “urgente”.
O Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores terá recebido nesse dia dois pedidos para socorrer doentes quase em simultâneo: um de uma criança de 13 meses com uma depressão respiratória num contexto de convulsão febril na ilha Graciosa e outro de uma jovem de 20 anos com um traumatismo cranioencefálico em São Jorge.
A coordenadora dos médicos reguladores do SIV, que tal como a reguladora de serviço rejeitou ser ouvida em comissão, denunciou uma alegada interferência da presidente do conselho de administração do Hospital da Ilha Terceira na decisão, numa carta enviada ao presidente da Proteção Civil dos Açores, mas a secretaria regional da Saúde terá decidido que não haveria motivo para avançar com um inquérito.
Segundo a coordenadora, a médica reguladora decidiu que os dois doentes seriam retirados em conjunto, alegando que apresentariam níveis de gravidade semelhantes, mas, após alegadas pressões da diretora do Hospital da Ilha Terceira, optou por dar prioridade à doente de São Jorge, familiar de Olga Freitas.
Ouvida na Comissão de Política Geral, a administradora do hospital disse que telefonou à médica reguladora, não por ser familiar da doente, mas porque a operação de retirada da doente estava a demorar mais tempo do que o previsto.
Segundo Olga Freitas, a jovem que se encontrava em São Jorge sofreu um acidente de viação às 17:26 e a médica reguladora foi alertada às 18:02, mas às 21:16, quando lhe telefonou pela primeira vez, ainda não tinha sido acionada a ajuda, que terá decorrido já depois das 22:30.
A deputada social-democrata Mónica Seidi disse que o despacho normativo que regula as operações de retirada de doentes não prevê a intervenção da presidente de administração no processo, mas a administradora alegou que ligou enquanto médica, realçando sempre que a decisão era da reguladora.
Olga Freitas admitiu ter telefonado pelo menos três vezes à médica reguladora, mas disse que a administradora do Centro de Saúde da Graciosa já tinha ligado antes, alegando que os familiares da criança de 13 meses estariam a ameaçar os médicos.
A responsável do Hospital da Ilha Terceira disse mesmo já ter intervindo em outras situações semelhantes, que não envolveram familiares, e que antigos secretários regionais da Saúde também já o fizeram.
A administradora disse que ligou aos médicos das unidades de saúde de São Jorge e da Graciosa para apurar a gravidade dos dois casos, antes de ligar à médica reguladora, tendo constatado que a situação de São Jorge necessitava de uma intervenção mais célere.
O presidente do Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores (SRPCBA), Carlos Neves, admitiu também na sexta-feira que as duas evacuações médicas, quase simultâneas, de 02 de fevereiro de 2017 poderiam ter sido respondidas com maior rapidez, ressalvando porém que o “caso clínico mais grave foi evacuado primeiro”, segundo as suas palavras.
Carlos Neves falava numa audição conjunta com o secretário regional da Saúde, na Comissão de Política Geral da Assembleia Legislativa dos Açores, em Angra do Heroísmo, a pedido do PSD, devido a suspeitas de interferência da presidente do conselho de administração do Hospital da Ilha Terceira, Olga Freitas, na decisão de socorrer por via aérea dois doentes.
A Força Aérea acabou por socorrer primeiro a doente de São Jorge, levando-a para São Miguel, onde existe o serviço de neurocirurgia, fazendo posteriormente uma segunda viagem entre a Graciosa e a ilha Terceira para transportar a bebé de 13 meses.
Carlos Neves reconheceu que a Proteção Civil demorou “bastante mais tempo do que seria expectável a acionar os meios aéreos”, alegando que, apesar de existir apenas um helicóptero para fazer duas evacuações com pedidos quase simultâneos, deveriam pelo menos ter preparado os meios para serem ativados.
O presidente da Proteção Civil disse ter tido conhecimento das queixas de alegada interferência da administradora do Hospital da Ilha Terceira naquela noite, tendo recebido posteriormente uma carta da coordenadora dos médicos reguladores.
Carlos Neves terá então pedido um parecer jurídico, que entendeu que “era matéria fora do normal que merecia ser investigada”, mas o serviço não tinha competência para abrir um inquérito e por isso encaminhou o caso para a Secretaria Regional da Saúde.
Apesar de a tutela não ter aberto um inquérito na altura, o presidente da Proteção Civil disse que foram realizadas várias reuniões depois do incidente para “evitar constrangimentos”, salientando que a comunicação melhorou, que “as evacuações estão cada vez mais rápidas” e que as 400 intervenções realizadas desde fevereiro de 2017 decorreram sem problemas.
Também ouvido na comissão, Rui Bettencourt, responsável da unidade de evacuações aéreas, que está sediada no Hospital da Ilha Terceira, disse não ter conhecimento de situações de interferência de administradores nas decisões, alegando que só conheceu este caso pela comunicação social.
Segundo Rui Bettencourt, a clínica que acompanhou a evacuação médica terá sido chamada inicialmente para fazer a evacuação conjunta e só posteriormente terá sido decidido transferir primeiro o doente de São Jorge, que teria “mais gravidade”, para o hospital de São Miguel.
De acordo com o responsável da unidade, o transporte de vários doentes no mesmo helicóptero não é comum, mas teria sido exequível neste caso.
Rui Luís recusou falar sobre alegada interferência em evacuação médica
O secretário regional da Saúde, Rui Luís, recusou prestar declarações aos deputados regionais sobre o alegado caso de interferência da administradora do hospital da ilha Terceira numa evacuação médica, por estar a decorrer um inquérito.
Rui Luís adiantou, por várias vezes, em resposta às perguntas dos deputados da oposição numa audição na Comissão de Política Geral da Assembleia Legislativa, “achar que por respeito pelo inquérito que está a decorrer não dever pronunciar-se”.
O relatório do inquérito da Inspeção Regional da Saúde deveria estar concluído até o dia 31 de agosto, mas o presidente do Governo Regional autorizou a prorrogação do prazo até à passada sexta-feira, dia 07 de setembro, dia da audição em causa.
No início da audição, o secretário regional da Saúde disse, no entanto, que o relatório ainda não tinha sido entregue.
A deputada social-democrata Mónica Seidi lamentou que o governante não tivesse apresentado os motivos que levaram a tutela a não abrir um inquérito sobre a alegada interferência em 2017.
Já o deputado socialista José San-Bento defendeu que a posição do secretário regional era “justificável” e “digna”, acrescentando que o PS poderia ter considerado a proposta dos social-democratas “intempestiva”, tendo em conta que foi feita já depois de ter sido aberto o inquérito, mas não o fez.
AO/RL Açores
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