Crónica de Opinião – 05 de setembro de 2014

As palavras do João – Ilha evasão, ilha prisão

açores_radio_lumena_noticias_turismo_ilha_cronica_João_Gago_CâmaraÉ bom retornar à ilha após deambulações pelo mundo. O recorte preto no mar azul alguns pés abaixo das asas do avião onde à chegada está o linguajar natural que nos identifica, entre outras razões intrínsecas, diz que todo o ser humano tem a sua origem numa determinada latitude e que é aí que reside a sua maior felicidade. Custa é a entender como se consegue gostar de uma terra que nos empurra para a emigração e que permanentemente nos agride do ponto de vista económico, mas que, mesmo na vicissitude, vai tendo gente a habitá-la e a vivenciá-la.

Possivelmente gente que nunca terá viajado, e que, por este motivo, nunca obteve parâmetros de comparação para poder avaliar entre o viver na escolha da escassez da terra natal ou na dignidade para além fronteiras, e por isso não partiu. Ou que nem sequer dinheiro tem para partir, por tal motivo não conhecendo mais do que o que sempre conheceu. Dizia-me há semanas atrás um companheiro da pesca ser um privilégio estar a pescar frente a paisagens paradisíacas como o é a do Monte Brasil, com São Jorge e Pico atrás, ladeando as torres altaneiras das igrejas patrimoniais angrenses à direita. Adiantava, todavia, ser já “um fartote de ilha. Os que não têm possibilidades de viajar limitam-se a ficar e a deprimir, mesmo sabendo fazer parte deste paraíso”, adiantou. A ilha persiste um encanto para quem sai, mas não deixa de ser uma monotonia e uma prisão para quem carrega consigo o fardo de ter que sempre ficar.

Salto de Angra para Leknes, na Noruega, lá para a parte ocidental da península escandinava, uma cidadezinha que quase não é mais do que uma rua ladeada de casas de madeira, mas com desfiladeiros verdejantes de uma beleza alucinante com mar à volta quanto baste. Aquela gente do quase extremo norte do planeta lá está, também no isolamento do longe de tudo, por vezes de semblantes carregados, outras amortecidos, embora vivenciando uma economia estável e na justa repartição da riqueza, grande parte dela proveniente da exploração petrolífera.  O longe e o mar, o ver sempre as mesmas caras, o tragar obrigatório de conceitos provincianos e ultrapassados quantas vezes oriundos de pequenas minorias, limitam emocionalmente e constrangem qualquer ilhéu. Só se entende verdadeiramente a ilha, quero crer, saindo dela para ir encontrar outras referências comparativas e trazer outras filosofias e outras  oportunidades.

João Gago da Câmara