Crónica de Opinião – 10 de janeiro de 2014

As palavras do João – Fica a saudade e o vazio

açores_radio_lumena_noticias_turismo_ilha_cronica_João_Gago_CâmaraEusébio foi-se. Deixa no entanto a certeza de que o génio nasce com o homem desde o dia da sua conceção. Tem-se futebol nos pés não porque se tem cunhas, porque se frequenta bons estágios em boas equipas, ou porque se tem bons treinadores. Os pés nascem para a bola, por vezes no terreno da aldeia ou na rua do bairro, para depois se afagarem nos verdes dos estádios, neles saltarem, rodopiarem em passes de mágica, nesses hoje admiráveis jardins do desporto, onde, com arrancadas, remates portentosos e certeiros, fascinam quem tem a sorte de assistir a bom futebol. Com o craque vive a teimosia da vitória, com ele também morre o segredo da diferença.

São cérebros afeitos à bola, que raciocinam e decidem em milionésimos de segundos se é pela direita, pela esquerda ou ao centro.

Driblam, concretizam, surpreendem milhões, por vezes quando já ninguém acredita na volta do resultado. São bastas vezes incultos e relutantes ao alinhamento intelectual porque entregam a sua vida por completo ao futebol. Quem diria que o alcunhado de Pantera Negra, de Pérola Negra ou de Rei em Portugal, com 733 golos em 745 partidas oficiais na sua carreira, um dos melhores marcadores de livres de sempre com aquele extraordinário pé direito, um bota de ouro dos mais admirados de todos os tempos, chegou um dia, simples, sem vaidades, de malinha na mão, da velha Lourenço Marques para tão rapidamente guindar aos mais altos patamares do mundo da bola!

Por outro lado, reconheçamos a postura perante os outros, absolutamente irrepreensível, a de um senhor dentro das quatro linhas mas também cá fora. Embora admirado por muitos, tem sido criticado por uns poucos sem escrúpulos e tidos por se deleitarem com defeitos, que, lestos, aprontam para os outros, sobretudo a quem predomina, até mesmo depois da morte. Gente mesquinha, invejosa, puras miragens face à fortaleza de um atleta de espinha direita, de sorriso humilde e simples, e a abismos de distância da enormidade do futebolista. E é admissível retirar-se os cachecóis do Sporting e doutras equipas de cima da estátua do Rei deixando apenas os do Benfica? Ele, em todo o seu esplendor, concordaria com isso? Nunca! Eusébio foi e é universal. Não tem cores, não tem donos.

Diziam-me ontem que com a partida do Rei fecha-se o ciclo de partidas dos três prediletos do Portugal contemporâneo; Lúcia, Amália e agora ele, Eusébio. Sem dúvida.

Foi a enterrar segunda feira no cemitério do Lumiar. Constrange que só em 2015 tenha lugar no Panteão Nacional onde jaz Amália. Porquê?

Eusébio da Silva Ferreira – parte o assombro da bola, o homem que deu milhões de minutos de felicidade a tantos portugueses por tantas latitudes através de gerações, o craque que fez levantar estádios e que tantas vezes fez chorar Portugal, ontem na alegria das vitórias, hoje na tristeza do adeus que um dia sempre chega. Fica o nome e a saudade, mas também o vazio.

João Gago da Câmara