As palavras do João – Aviões, castiços e pavões
Aeroporto de Lisboa. Uma e dez da tarde. A310 da Sata atrasado uma hora. Na sala de espera, já meio entediado, um senhor octogenário estava de mão na paciência. Ao seu lado um casal de septuagenários, ele muito a jeito a pedir-lhe um quadrado da tableta de chocolate e ela imperativa a dizer que não: “já te disse que chocolate não comes. Tens colesterol!”
A equipa do Atlético Mineiro, de Minas Gerais no Brasil, campeã em futebol da América, aguardava o avião que a levaria a Marraquexe, mas com uma chinfrineira insuportável. A claque, e até os próprios jogadores, gritavam e cantavam à brasileira como se já estivessem no estádio.
Com o tempo de espera em sala pública os olhos tornam-se furtivos. Levantamos as cabeças do jornal ou do livro que lemos e este ou aquela estão de olho em nós. No caso, perscrutava-se a sala na tentativa provável de descortinar qual de todos era o mais chateado. Ó, Já me esquecia, entre os cento e tantos passageiros houve ainda uma madre que se sentou precisamente na cadeira à minha esquerda. A religiosa cheirava mal mas pior ainda era o telemóvel que trazia que não parava de tocar uma música tipo sino da igreja.
As grandes metrópoles são sempre diferentes dos pequenos meios. Os cidadãos sentem uma necessidade estranha de se exibirem diferentemente da maneira por exemplo dos ilhéus. Estarão, diria, uns para os outros como pavões e pavoas para galos e galinhas. O palavreio exibicionista, sempre em voz alta, da malta operária cliente de um restaurante onde fui comer várias vezes, pois servia muito bem, fez-me tirar estas notas rápidas: “Vinho do Porto? Tenho lá uma camioneta cheia disso e ninguém bebe” – comentava o benfiquista face à prestação do Porto na liga de futebol. Outro ainda explanava quanto ao anúncio da televisão a informar que haverá uma subida breve do preço das chamadas telefónicas: “bem bom para a minha mulher falar menos.” Dou outro lado da mesa um baixote, com o vinho a chegar-lhe, contava como se fosse um feito: “certa vez cheguei bêbedo ao emprego e o patrão disse-me estás despedido. Respondi-lhe: despedido está você. Vá-se embora!” E já mais para o fim do almoço quando apareceu o primeiro ministro a dizer não sei o quê, lá veio a boca: “olha-me aquele pato. Não tem bico de mentiroso?”
E lá vai Lisboa, vista já da vigia, a ficar para trás, com pavões, pavoas e castiços a disfarçarem que a crise bate forte. As nuvens, por companhia, dizem-nos que o airbus finalmente bate o céu trazendo-nos de novo ao conforto da ilha.