As palavras do João – Considerandos das alturas
TAP Portugal. Descolagem em Ponta Delgada para o voo São Miguel – Lisboa. Nórdicos de meia idade, quantos baste, e muita juventude espanhola, para além de uns quantos açorianos e continentais a quase encherem o A 319. O avião eleva-se no ar, ladeando um pouco a linha da Costa Sul de São Miguel, ventosa e nublada, para depois ascender à altitude de cruzeiro rumo à capital onde haverá sol e calor. Os jovens, “adolescentíssimos”, ao meu lado não se calam sequer um segundo, imitando tudo e todos, a assistente de bordo a falar, o bebé a chorar, o barulho dos reatores, até o ruído feito pelos flaps a serem limpos para o procedimento habitual do aumento da velocidade e da subida, e dialogam tão rapidamente que pouco ou nada se entende. O “artista”que ocupa a coxia ao meu lado, supostamente intrigado com o que vou escrevendo, lá de quando em vez olha o ipad de soslaio, possivelmente a tentar descortinar o tema do escrito. Embora os incómodos que alguns seres teimam em causar a outros, é bom ver São Miguel cada vez mais visitada quando já quase nos habituávamos ao tédio de sermos, incondicionalmente, apenas nós para nós, sempre nós para o umbigo e para mais ninguém. Até quase por uma questão de princípio, se nos recordarmos. A seu tempo, gente de vistas largas descobriu que o mundo, com efeito, é a tal aldeia global de que tanto se fala, onde só a língua de cada povo difere das demais – todos diferentes, todos iguais! A visão restritiva, e provinciana, que foi a de ex-governantes dos Açores de há décadas atrás, que, neste particular, de modo algum deixam saudades, poderia perfeitamente ser comparada a um deserto cheio de nada, vendo-se felizmente hoje essas areias secas inundadas por oásis de aviões multi-raciais, pelo aportar dos maiores navios de cruzeiros do mundo, por uma indústria hoteleira e de restauração em franca expansão, por navios próprios de cruzeiros inter-ilhas, pelo waile watching, por muito turismo rural… É imperioso, todavia, ter sempre em atenção o equilíbrio harmónico de todas as ilhas, do ponto de vista de um desenvolvimento arquipelágico conjunto e proporcional. Recordo-me por exemplo da Noruega onde os navios de cruzeiro aportam ou ficam ao largo nos sítios mais recônditos, sendo os passageiros transportados a terra por barcaças, o mesmo podendo perfeitamente acontecer em todas as nossas ilhas, que são de belezas únicas no mundo. É também importante que os low cost toquem, não apenas São Miguel, mas igualmente a Terceira e eventualmente a Horta. Se bem que na adversidade, é bom ver a Região animada para dar o salto, assim o permita a crise económica do Estado impingida por este governo central absolutamente míope e subserviente dos interesses da grande especulação internacional, felizmente a dar os últimos suspiros. A Região Autónoma, indiscriminadamente, poderá um dia vir a ser diferente para melhor, uma vez, queremos crer, estarem lançados os dados para um futuro desenvolvimento harmónico, produtivo e sustentado.
João Gago da Câmara