Ontem à noite, ao estacionar o carro na Pascoal de Melo, um homem desmantelava um frigorífico em cima do passeio. Todas as peças de ferro eram retiradas cuidadosamente para venda. Um pouco mais abaixo, já no Jardim Constantino, duas mulheres vasculhavam os contentores de lixo à procura de comida. Ouço mesmo que aqui por Lisboa o serviço camarário de recolha nota um decréscimo substancial na quantidade de lixo que antes a cidade gerava, supostamente porque o ferro é todo retirado, bem como grandes quantidades de restos de comida. Na baixa citadina são peditórios a toda a hora, e a ladroagem, despudorada porque também faminta, ataca os incautos, sobretudo turistas e idosos.
Subo o Chiado a ouvir Amália a botar a “velha Lisboa”, vou à Bertrand e folheio um portfólio fotográfico de antigas gravuras da cidade. Linda, Lisboa! Logo em seguida leio o jornal e tomo o insubstituível descafeinado da Brasileira sentado ao lado de Pessoa, e terminando o giro um pouco mais acima no Largo de Camões, ali nos baixos do Bairro Alto, paro a admirar esse que foi o maior vulto da literatura portuguesa, o grande poeta de sempre do ocidente autor da imortal epopeia nacionalista “Os Lusíadas”, Luís Vaz de Camões.
É bem verdade que as convulsões sociais, económicas e políticas vêm e vão e a cidade fica. Também não deixa de ser verdade que é triste ver o regaço da Europa, esta que é considerada uma das mais bonitas capitais do continente europeu, a bela Lisboa das sete colinas, a passar por este hiato estéril e inglório. O povo lá vai gritando castanhas quentes e boas entre o fumo dos fogões que aquecem os frios dias da capital, mas as caras persistem magoadas e tristes.
João Gago da Câmara