Intervenção do Subsecretário Regional da Presidência para as Relações Externas

Texto integral da intervenção do Subsecretário Regional da Presidência para as Relações Externas, Rodrigo Oliveira, proferida hoje, em Ponta Delgada, na apresentação do estudo Impacto da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento na Economia dos Açores:

 

“A Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos da América (TTIP) é importante para a Europa e para Portugal – assim o demonstram diversos estudos – e tem um potencial de impacto económico e de relevância geopolítica e estratégica que assume, na nossa Região, um enquadramento particular, por motivos de todos conhecidos, desde a nossa localização, às nossas relações com os EUA e as comunidades açorianas ali residentes, passando naturalmente pela nossa economia.

O Governo dos Açores tem, por isso, dedicado uma atenção especial a este assunto, desde logo, pelas potenciais implicações e oportunidades económicas que representa para a Região.

É este, aliás, a motivo desta nossa sessão, os possíveis impactos económicos nos Açores do TTIP, sendo certo que o tema da Parceria Transatlântica e as suas múltiplas dimensões não se esgotam nesta perspetiva.

Como já referi, conhecemos e foram já debatidos entre nós os estudos macroeconómicos sobre a Parceria Transatlântica e os seus impactos a nível nacional, assim como da União Europeia, sendo certo que todos apontam efeitos globalmente positivos para as respetivas economias.

Foi este o caso do estudo encomendado pela FLAD, Governo da República e Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa e desenvolvido pelo Center for Economic Policy Research, que inclui um capítulo sobre os Açores.

Em 2014, na sua apresentação, registámos positivamente que, num cenário dito “ambicioso” para a conclusão das negociações, teríamos nos Açores um aumento entre 0,19% e 0,35% no PIB (que seria, não obstante, menos de metade do valor nacional, entre os 0,66% e 0,78%).

Mas aquele estudo conclui também que o emprego cairia nos Açores 0,19% no cenário moderado e 0,08% no cenário ambicioso, com um impacto negativo em alguns setores chave da economia dos Açores.

No entanto, de uma leitura mais atenta, logo se percebia que os setores que tiveram maior desenvolvimento no estudo nacional, como o têxtil, vestuário ou maquinaria elétrica, não são áreas de atividade com relevância para a Região. E que outros setores, importantes para os Açores e comparativamente muito mais relevantes do que no resto do pais, não tiveram expressão no estudo nacional.

Na verdade, o estudo nacional acaba por enumerar, em nota de rodapé, as limitações das suas conclusões para os Açores, justificando com “restrições na disponibilidade de dados detalhados”.

E refere ainda que foi necessário “simplificar” as estimativas de impacto na Região com um raciocínio que, como todos nós facilmente compreendemos, não será correto, muito menos se podendo aplicar à realidade específica da economia dos Açores:

Ou seja, os autores do estudo nacional assumiram que iriam ocorrer alterações percentuais ao nível setorial nos Açores idênticas às de Portugal Continental.

Tornou-se então clara a necessidade de um estudo específico sobre os Açores, um desafio lançado, pouco depois, à Universidade dos Açores pelo Presidente do Governo, Vasco Cordeiro, que foi correspondido pelo Centro de Estudos de Economia Aplicada do Atlântico – Açores, agora pertencente à nova Faculdade de Economia e Gestão da Universidade dos Açores.

Este estudo, que será melhor desenvolvido em seguida e que teve o alto patrocínio do Governo dos Açores e da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, merece os seguintes destaques iniciais da parte do Governo dos Açores.

Registamos que, numa perspetiva de médio prazo, em 2030, todos os cenários apontam para impactos positivos ao nível do PIB da Região e com tendência para aumentar com o tempo, destacando-se:

– O crescimento do PIB, que é superior em 0,4% num cenário modesto e 0,77% num cenário ambicioso (recordemos que era de 0,19 a 0,35 no estudo nacional, duplicando assim o valor e aproximando-o do impacto potencial para Portugal num cenário ambicioso – 0,78% )

‒ O consumo privado, que cresce entre 3,7% e 5,9%;

‒ A criação de postos de trabalho, com o emprego a aumentar entre cerca de 1,05% e 1,67%, e a taxa de desemprego a cair cerca de 1,56% e

‒ A melhoria do saldo do comércio externo, por força da intensificação do comércio, quer ao nível das importações, quer das exportações.

Numa outra perspetiva, relativamente ao rendimento familiar nos Açores, conclui-se que o impacto potencial em geral do TTIP terá um valor equivalente a cerca de 75 a 119 milhões de euros por ano, ganhos que se distribuem por todos os grupos de rendimentos.

Estes são dados, naturalmente, globalmente positivos e – é bom salientar – são mais favoráveis do que os resultados do estudo nacional de 2014.

Finalmente, deixo ainda algumas notas no que diz respeito aos potenciais impactos nos setores económicos da Região que foram estudados.

É importante realçar que os principais potenciais beneficiados são:

– A agropecuária e a indústria do leite, também como principais ganhadores do aumento das exportações e

– Todas as atividades associadas ao turismo, a hotelaria, a restauração e as atividades associadas ao transporte aéreo.

Por outro lado, a merecer atenção, os resultados em geral para a agricultura apresentam impactos positivos em alguns cenários e negativos noutros e, por isso, merecerão um trabalho de interpretação dos resultados, de análise mais desenvolvida e minuciosa, nomeadamente ao nível do setor da carne.

Além destes, dos principais setores de atividade, a cadeia de valor das pescas merece também especial atenção, podendo apresentar perdas modestas, segundo os autores do estudo.

Ora, relativamente a esta parte, é bom notar que as nossas exportações para os EUA são constituídas por um elevado e diversificado número de produtos, mas, sobretudo, provenientes, precisamente, do setor agroalimentar, quer exportados diretamente, quer, acima de tudo, através do mercado continental português.

Neste contexto, não temos dúvidas de que a eliminação de entraves à exportação para os Estados Unidos servirá para alavancar este potencial da produção e exportação regional, desde logo pela redução das barreiras não tarifárias (BNT).

Os nossos agentes económicos – muitos deles aqui presentes – conhecem bem estes desafios não aduaneiros na exportação para os Estados Unidos, por exemplo ao nível da rotulagem dos produtos, de quotas de importação e dos processos de desalfandegamento, de entrada nos circuitos de distribuição e relacionamento com empresas americanas e, neste contexto, até de resolução de litígios.

Mas este potencial de exportação será ainda beneficiado, em grande medida e de modo mais direto, pela redução ou eliminação dos direitos aduaneiros que, por exemplo, no caso de exportação de lacticínios, podem chegar aos 139% e, no caso das bebidas, aos 22/23%.

E, se grande parte das vendas para os EUA se destinam, como é fácil perceber, à satisfação das necessidades de consumo das nossas vastas comunidades açorianas, o denominado “mercado da saudade”, também é real a crescente importância e o grande potencial para além do mercado étnico.

Tem sido este, aliás, o sentido da intervenção do Governo dos Açores na América do Norte no âmbito de diversas ações promocionais de produtos açorianos junto desse mercado, tendo em vista, nomeadamente, fomentar o alargamento da base económica de exportação dos Açores.

A participação em feiras, a organização de missões empresariais, do Primeiro Encontro de Empresários da Diáspora nos Açores, da formação para dirigentes das Casas dos Açores para os Açores de hoje, de diversas ações de promoção em mercados públicos, em restaurantes e em supermercados norte-americanos e, ainda, ações junto de órgãos de comunicação da especialidade, como revistas, dão bem nota de que o Governo dos Açores não aguarda a conclusão das negociações, está a agir e, independentemente de quando entrar em vigor a Parceria, este é e será sempre um mercado de grande importância para os produtos açorianos.

O mesmo se diga em relação ao setor onde também se registam, segundo o estudo, maiores ganhos: o Turismo.

O mercado emissor norte-americano tem sido uma prioridade para o Governo dos Açores, com uma política proativa com vista a um maior aproveitamento e aprofundamento do seu potencial, que se consubstancia em números muito reveladores deste processo:

– Os Estados Unidos da América representam hoje, em termos de dormidas, o 2.º mercado emissor de turistas estrangeiros para os Açores (quando em 2012 eram o 6.º), e mais do que duplicaram a sua quota desde então, que no primeiro semestre do ano conta com cerca de 8,2%.

Este desenvolvimento exponencial, fruto das políticas de promoção do destino junto de operadores e interessados, de reforço das ligações aéreas, cifra-se num aumento do total do ano de dormidas, em 2015, face a 2012, de 125%. E, se compararmos apenas os primeiros seis meses de 2016, em relação ao mercado emissor norte-americano, são mais 82% face a igual período de 2015 e 343% face a 2012.

Não obstante estes números, o potencial de evolução do mercado norte-americano é, efetivamente, muito importante, como bem o demonstra o estudo.

Neste contexto, dúvidas não temos que os Estados Unidos da América são já hoje, efetivamente, um importante mercado emissor de turistas para a Região, do mesmo modo como são um destino da produção dos Açores. E acreditamos que esta dinâmica pode ser efetivamente reforçada e beneficiada pela Parceria Transatlântica.

Mas, para que isso aconteça, o Governo dos Açores defende desde o início das negociações, por força da sua estrutura produtiva, uma atenção negocial muito particular de Portugal e da União Europeia para os setores primário e agroalimentar.

Os pontos fundamentais da posição dos Açores, neste contexto, têm sido:

– A defesa da produção regional, através da salvaguarda das denominações e indicações regionais protegidas, de modo a garantir o respeito pela autenticidade dos produtos açorianos exportados.

Esta era uma matéria onde, aliás, facilmente se antecipavam os desafios no âmbito da negociação da União Europeia com os Estados Unidos, na qual se entrecruzam diferentes perspetivas de política agrícola, ambiental e comercial, uma preocupação de muitos produtores europeus e países europeus, de entre os quais Portugal.

– Por outro lado, a aplicação nos Estados Unidos de normas de bem-estar animal e de requisitos ambientais menos exigentes do que na União, a existência de economias de escala muito elevadas ou a utilização de ingredientes na alimentação animal proibidos na Europa são, entre outras, matérias que não podem ser desvalorizadas em sede negocial.

Em suma, numa primeira análise e sem prejuízo do trabalho que deverá continuar, com o contributo de todos os parceiros, o Estudo do Impacto na economia dos Açores da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento confirma o potencial positivo de outras análises, mais alargadas geograficamente.

Mas tem a vantagem inequívoca em relação aos demais de ter sido desenvolvido tendo em conta a realidade especifica da Região, com regras, matrizes e equações adaptadas a um modelo económico específico sobre os Açores.

Confirma, também, a opção política de apoio às negociações e a um acordo ambicioso entre a União Europeia e os Estados Unidos, com o respeito pelas condições essenciais de garantia para que haja um bom acordo.

Mas é, acima de tudo, um instrumento para melhor nos prepararmos, em conjunto com os parceiros sociais e setores económicos dos Açores, para os respetivos desafios – que certamente existirão e são aqui identificados.

Finalmente, direi ainda que a negociação do TTIP e o contexto político na Europa e nos EUA, como sabemos, não tem, nos tempos mais recentes, sido favorável a um desenvolvimento célere das negociações.

Mas, como bem afirmou ontem o Presidente da Comissão Europeia, o mandato da Comissão Europeia continua plenamente válido e esta instituição continuará a negociar.

Na 14.ª ronda de negociações, que decorreu em julho, os principais negociadores frisaram mesmo a importância da vontade política em concluir este tratado até ao final do ano, sendo certo que, apesar de já se ter chegado a acordo em grande parte dos capítulos, há questões essenciais que ainda estão em aberto e que muito nos interessam:

– as indicações geográficas e vinhos, contratos públicos, obstáculos técnicos ao comércio e sobre a saúde animal e vegetal, ou as chamadas questões sanitárias e fitossanitárias.

Mas lembrem-nos, por exemplo, que o Acordo com o Canadá demorou cinco anos a ser negociado. O TTIP leva apenas três anos.

Isto para dizer – parafraseando um conhecido autor norte-americano – que os recentes boatos sobre a morte do TTIP são manifestamente exagerados. É esta a nossa visão.

Nos Açores, somos Europeus do Atlântico e este imenso oceano que é a casa de todos os Açorianos é hoje um espaço de paz, civilizacional e democrático, mas que se afirma também em acelerada cooperação científica e tecnológica, um espaço de crescente interligação nas áreas dos transportes, da energia, da economia em geral.

O anúncio do seu declínio talvez também tenha sido um pouco exagerado.

Neste contexto, o Governo dos Açores encara a Parceria Transatlântica como uma real oportunidade para os nossos empresários e para a Região, que poderão encontrar, a médio prazo, uma conjuntura favorável para aliar às relações históricas, culturais e institucionais com os EUA e à posição geoestratégica da Região, o reforço, efetivo e crescente, da componente comercial e de serviços da Região.

GaCS/SsRPRE/ RL Açores