
O secretário regional da Saúde, Rui Luís, admite que “interveio” na noite de dois de fevereiro de 2017, no caso das evacuações de um doente de São Jorge e outro da Graciosa e assumiu que voltará a fazê-lo se tal for necessário.
“Por vezes, quando as coisas não estão a funcionar, o secretário tem de intervir. Tem e vai continuar a intervir. Não posso deixar de exercer o meu poder tutelar sobre a administração. O Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores está sob a minha tutela”, disse.
Recorde-se que em causa está uma situação em que a médica reguladora que estava encarregue de decidir sobre as evacuações se queixou, por escrito, de ter sofrido várias pressões. A queixa e os contornos do caso foram apenas conhecidos em agosto deste ano, quando a notícia foi lançada pelo “Diário dos Açores”.
A ex-presidente do conselho de administração do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, que entretanto se demitiu, foi acusada de interferir no processo de decisão em favor de um familiar seu, o paciente de São Jorge.
O inquérito ao caso, pela Inspeção Regional da Saúde, exigido em agosto deste ano pelo presidente do Governo Regional, revelou que também o secretário regional da Saúde telefonou, naquela noite, ao presidente do Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores, entidade que coordena as evacuações. Nesse telefonema, o secretário regional da Saúde.
Rui Luís considera o seu telefonema legítimo. “Quando tive conhecimento de que há uma hora que não era decidida uma evacuação, não fui falar com a médica reguladora, por
que não tenho nada de falar com a médica reguladora. Falei com o presidente da Proteção Civil, que, por acaso, tinha tomado posse há uma semana e estava novo no sistema.
Telefonei-lhe a perguntar o que se estava a passar e a dizer que efetivamente a informação que tinha, dos dois lados, era a que está aí relatada (no inquérito). O senhor presidente da Proteção Civil falou com a médica reguladora, como há-de falar todas as vezes que for necessário, quando algum procedimento está encravado. É minha competência é intervir quando algum serviço não está a funcionar”, frisou.
“Abuso de poder”
O secretário regional da Saúde falava no âmbito de uma interpelação ao Governo Regional, iniciativa da bancada do PS.
A bancada da oposição mais interventiva foi a do PSD, com a deputada Mónica Seidi a defender que a ação do secretário da Saúde naquela noite constitui um “abuso de poder” e que, além disso, não estava alicerçada em conhecimento técnico, dado que Rui Luís não tem formação médica para ajuizar sobre a gravidade dos casos.
“Os procedimentos a desencadear em qualquer caso de evacuação, estão bem definidos e plasmados no despacho normativo número seis de 2014. Qualquer intervenção por alguém que não conste naquele despacho é considerada uma interferência”, sustentou a parlamentar, que considerou que Rui Luís não tem condições para permanecer no cargo.
“O secretário regional da Saúde interferiu no processo sem qualquer tipo de autoridade ou competência técnica ou legal para o fazer. É muito grave. Interferiu sem legitimidade e, mais, abafou todo o caso e recusou a abertura de um inquérito, mesmo sabendo que havia um parecer jurídico que recomendava o contrário. Desde fevereiro de 2017 que tem conhecimento de tudo e foi cúmplice”, afirmou.
A deputada também apontou baterias ao Governo Regional no seu todo, defendendo que este é “é frágil e premeia todos os que agem como donos disto tudo, mesmo sabendo que podem colocar em risco a vida dos açorianos”.
Pela bancada do PS falaram sobre tudo Dionísio Maia e Domingos Cunha, tendo este último citado o Código Deontológico dos Médicos, que legitima a intervenção de um médico no caso de ter dúvidas sobre a decisão clínica de um colega.
Dionísio Maia considerou que o caso tem sido alvo de aproveitamento político e sustentou que o importante é o aperfeiçoamento do sistema.
“Só quem nunca esteve envolvido numa emergência médica, numa tomada de decisões, não percebe a complexidade e a possibilidade da intervenção de várias pessoas que, de uma maneira ou de outra, se disponibilizam para ajudar. Não vi, ainda, na minha longa experiência, alguém que, mesmo descontextualizado, não quisesse ajudar”, disse ainda o parlamentar socialista.
Já do ponto de vista do CDS/PP, que pediu melhorias no sistema, como a concretização de uma segunda tripulação para garantir as evacuações médicas e a maior disponibilização de lugares para transporte de doentes nos voos SATA e TAP, a culpa mora nas mãos da médica reguladora. “Não responde a nenhum superior hierárquico. Não decidiu, ou decidiu desta maneira, porque quis e entendeu”, resumiu.
Para João Paulo Corvelo, deputado do PCP, o papel dos médicos reguladores tem de ser clarificado. “A existirem, têm de funcionar num quadro bem definido, com competências claras e de modo a poderem cumprir e fazer cumprir sem quaisquer hesitações as decisões que são exigíveis. É, para nós, discutível, a dependência hierárquica e o funcionamento das unidades de deslocação e evacuações aéreas e a possibilidade de recusa de cumprimentos das decisões tomadas”, disse.
Pelo Bloco de Esquerda, Paulo Mendes pediu medidas, que o secretário disse estarem agora a ser preparadas. O parlamentar também sublinhou algumas ironias do debate. “Louvo o papel da comunicação social neste caso. Mas também é verdade que não haveria sequer conhecimento deste caso se não fosse uma queixa apresentada pela médica reguladora. A dada altura deste debate, parece que se conclui que a responsabilidade é unicamente da médica reguladora. Justamente, a pessoa que fez a queixa…”.
O deputado do PPM, Paulo Estêvão, considera que a responsabilidade última de decidir era da médica reguladora, mas resumiu a posição de Rui Luís como “condenável” e classificou todas as alegadas interferências como “ilícitas”.
DI/RL Açores