Crónica de Opinião – 17 de janeiro de 2014

As palavras do João – O mundo em notícias

açores_radio_lumena_noticias_turismo_ilha_cronica_João_Gago_CâmaraRecordo-me, era ainda criança, dos anúncios na sala de cinema, antes e no intervalo dos filmes, pela voz do saudoso Fernando Peça que tão bem dizia: “O mundo em notícias!”. No grande ecrã, embora desfasadas no tempo, surgiam duas ou três parangonas das notícias mais importantes do país e do mundo.

Hoje tudo mudou. É cada vez maior o fluxo de informação veiculada minuto a minuto pela comunicação planetária, que, sem pedir licença, nos entra pela porta adentro. Bastará apenas ligarmos a televisão, rádio, ou lermos os jornais virtuais na internet para termos, quanto baste, notícias de mortes, raptos, estupros, roubos, terror à farta, vilipendiando-nos, desequilibrando-nos o estado emocional a que supostamente temos direito.

Os senhores dos media, fechados entre as quatro paredes dos seus gabinetes, decidem e está decidido. Vejam o que vos impingimos – dirão. O que mais nos interessa são as audiências e o retorno da publicidade, estabilidade económica, garantias de continuidade da estação – advogarão. Senão vejamos o que dominou a atualidade noticiosa da semana. Ronaldo com a Bola d’Ouro e Hollande. Pouco mais se passou pelo mundo. Vamos à “CNN”: Hollande, economia ou vida amorosa, e ao “Liberation” a trazer para a sua primeira página: “Président devrait fermer la porte aux questions sur “l’affaire”. O que é que a vida amorosa do Sr. Hollande interessa ao mundo? Não nos estaremos pura e simplesmente nas tintas para que o Sr. Hollande tenha as amantes x, y ou z? Por seu turno, o New York Times agita as águas internacionais, provavelmente com discurso encomendado de que Obama luta com o Senado quanto à aplicação de sanções contra o Irão. Pergunta-se o que é que interessa o Irão aos americanos que dentro fronteiras do seu país se debatem cada vez com mais restrições face às evidentes dificuldades económicas que são transversais a todo o país? Até o nosso Expresso puxa para a sua primeira página – pasme-se – “Vice do Parlamento russo propõe sexo três ou quatro vezes por ano” … e lá está Ronaldo a chorar agarrado a uma mão cheia de ouro. O Diário de Notícias, que, diga-se em abono da verdade, já não tem nada a ver com o tempo do saudoso Mário Bettencourt Resendes, surge, à falta de melhor, com “Bomba no Cairo em dia de referendo constitucional”, mas pior, “Ex-polícia mata homem no cinema por enviar sms”.

Está tudo doido ou somos nós leitores que estamos a ficar birutas? Não é suposto os consumidores da informação terem outro tratamento, merecerem outra consideração por parte dos senhores dos media? Não há temáticas sociais, culturais, políticas elevadas e outras também interessantes? Não há gente que escreve bem neste país? Para que servem os concelhos de redação?

João Gago da Câmara