
As palavras do João – A senhora russa
Sata Internacional. Oito horas. Voo Lisboa – Terceira, um voo que começou há uns dias atrás. Sendo suposto ser na segunda-feira, houve que adiar. Passou então para quinta à tarde. Voltei, todavia, a adiar para quinta à noite, pois faltava ir almoçar descansadamente ao Pinóquio, umas amêijoas à bulhão pato, que, como sempre, são de comer e chorar por mais. O vinho branco atravessou-se e também uma mulher russa que almoçava com o seu adolescentíssimo filho na mesa ao lado. O rapaz tinha para aí uns dezanove anos e teclava arduamente num telemóvel, deixando a mãe livre para passear os olhos azuis pelas mesas da esplanada. Foi então que, no meio de um calor adensado pelo vinho branco, o meu comparsa das gastronomias se esticou um pouco para a esquerda, sobre a mesa, na direção da senhora e lhe perguntou se eram noruegueses. Ela, que não, que eram russos. Por graça, suponho, pois estava muito risonha, diz-lhe que eu pensara que eles eram árabes. O quê? Protestei. Ela não pareceu importar-se com a suposta confusão. E assim começou um diálogo entre todos. Sugeri ao meu amigo de mesa para avançar com o assunto ucraniano. Os olhos dela varriam a nossa mesa, passavam por mim e iam até ele, e defendia Putin, a anexação da Ucrânia … , um referendo feito aos ucranianos que queriam quase todos ser russos, excetuando os fascistas … E a Rússia que era um país riquíssimo, sem dívidas, ao contrário dos americanos, que devem as guedelhas … Por fim, as fotos… A casa dela, grande quanto baste, um porche vermelho à porta, e um cão, o seu cão, recolhido da rua, a passear nas verduras de um jardim. E que ainda tinha um “flat” na cidade. Perdi a noção do tempo e perdi o avião, mas ficou-me a certeza de que a senhora, embora uma simpatia, andaria na babuja de Putin, ou teria alto cargo no partido que o suporta. Só pode!
João Gago da Câmara