Crónica de Opinião – 27 de junho de 2014

As palavras do João – São João, mais na rua do que nos Templos

 

açores_radio_lumena_noticias_turismo_ilha_cronica_João_Gago_Câmara“As Sanjoaninas, como dizem, não são só as maiores festas profanas dos Açores, são festas muito religiosas”, vincou o padre na homilia de domingo, acentuando ainda que “São João não foi profanado.” Enquanto os sinos repicavam nos torreões assinalando o levantar a Deus, cá fora rebentavam foguetes, ria-se, bebia-se e comia-se pelas tascas, marchas e filarmónicas desfilavam e visitantes de máquinas digitais à tiracolo fotografavam tudo e todos. O templo vazio, as ruas cheias. Porquê? Esta será uma questão a não fugir numa próxima abordagem.  Mas que é um facto que a festa, se é do santo, é religiosa, é, sem dúvida! Senão vejamos: Em Lucas 1 e Mateus 11, Zacarias, pai do futuro santo festeiro, sendo sua mulher estéril e querendo ter um filho, pediu ao arcanjo São Gabriel que lhe desse a graça da sua mulher conceber. O anjo acedeu embora esclarecendo-o desde logo: “Tu lhe darás o nome de João e será para ti objeto de júbilo e de alegria; muitos se regozijarão por seu nascimento posto que será grande diante do Senhor”.  Zacarias duvidou e perdeu a voz. Foi preciso o filho nascer e que o incrédulo Zacarias escrevesse numa tabuinha, “seu nome é João”, para que recuperasse a fala. Em jeito de gratidão e de celebração, o assombrado pai entoou então o esplêndido hino de amor e agradecimento “Benedictus”, sempre ouvido nas igrejas.

São João Batista é o único santo cujo nascimento é comemorado na Liturgia, além da Virgem Maria, segundo reza o Testamento, concebida sem pecado. O santo foi  purificado, mesmo antes de nascer, por haver sido sua mãe visitada pela Santíssima Virgem. É sobretudo por isso que a religiosidade popular lhe consagra cantos, danças folclóricas e fogueiras, o que acontece desde o longínquo século IV, mas também porque, segundo São Agostinho, João era mais do que um profeta por ter sido através dele que o Messias dava testemunho. É dele que está escrito: “Eis que envio o meu mensageiro à tua frente. Ele preparará o teu caminho diante de ti”.

João Batista, pela força da palavra, convertia corações e foi pela fortaleza dos seus discursos que acabou assassinado.

Essencialmente em Angra, mas também em Vila Franca do Campo, faz-se justiça ao Santo. Comemora-se em sua honra, se bem que mais cá fora do que lá dentro, nos Templos. Nem tão pouco se associa uma coisa com a outra, e vem sendo assim de longa data. Vinda a festa do Santo, porque não honrá-lo também adentro das igrejas e não só nas danças de rua e nas tascas da esquina? A razão do interessante fenómeno sociológico poderá vir até do próprio povo, mas que, do ponto de vista teológico, a igreja tem uma palavra a dizer, tem-no certamente.

 

João Gago da Câmara