Crónica de Opinião – 15 de novembro de 2013

As palavras do João – O Papalagui na filosofia de um sábio

açores_radio_lumena_noticias_turismo_ilha_cronica_João_Gago_Câmara100 páginas, a que eu chamaria de uma ingénua maravilha, retratam a visão de um homem primitivo das ilhas Samoa, Tuávii, chefe da tribo Tiávea, sobre a “Europa” civilizada.

Papalagui, o nome do livro, palavra que significa homem branco, embora escrito entre 1914 e 1915, retrata com uma atualidade impressionante a sociedade atual. Tanto mais interessante é este livro quanto se dirigia aos polinésios, seu povo, aplicando-se perfeitamente, como à frente se lerá, às gentes deste mundo egoísta que povoa os nossos dias.

Numa simplicidade, quase ingenuidade, do usar da palavra, este humilde chefe tribal refere-se ao homem branco, o papalagui, desta forma tão clarividente: “Ó irmãos, que é que pensais do homem cuja cabana é tão grande que dá para uma aldeia inteira e que não oferece ao viajante o seu teto por uma noite? Que é que pensais do homem que tem um cacho de bananas nas mãos e não dá uma só fruta a quem, faminto, ávido, lha pede? Vejo a zanga nos vossos olhos, o maior desprezo nos vossos lábios. E vede que é isso que o papalagui faz a todo o momento. E mesmo que tenha cem esteiras nenhuma dá ao que nenhuma tem. Pelo contrário, acusa-o e censura-o por não ter. Pode estar com a cabana cheia de mantimentos até ao alto muito mais do que ele e a sua aiga comem em 100 anos.

Não sairá à procura dos que não têm o que comer, dos que estão pálidos de fome. E há muitos papalaguis pálidos de fome. A palmeira deixa cair as folhas e frutos que estão maduros. Mas o papalagui vive como se a palmeira quisesse retê-los. “São meus” Não os tereis! Jamais deles comereis!” Mas como faria então a palmeira para dar novos frutos? A palmeira é muito mais sábia do que os papalagui”.

E mais à frente, este homem sábio refere que “o Grande Espírito é que determina, sozinho, as forças do céu e da terra; é quem as reparte como lhe parece melhor. Não cabe ao homem fazer isso; não é impunemente que o branco tenta transformar-se em peixe, ave, cavalo e verme. E com isso ganha muito menos do que confessa. Quando atravesso uma aldeia a cavalo, vou mais depressa, é claro; mas quando caminho a pé, vejo mais coisas e o meu amigo pode-me convidar para entrar em sua cabana. Raramente se ganha de verdade quando se chega mais rapidamente ao que se procura. Mas o papalagui está sempre querendo chegar depressa ao seu objetivo. Quase todas as máquinas servem, apenas para chegar rápido a certa meta. Mas quando chega, outra meta o atrai. O papalagui desse modo vive sem jamais repousar; e cada vez mais desaprende o que é andar, passear, caminhar alegremente em direção ao que não procuramos mas vem ao nosso encontro.”

Palavras vindas dos matos velhos, quentes e limpos  para as ruas novas, frias e sujas das nossas cidades. Papalagui, coisas, tanto, para quê?

Não me apetece terminar esta crónica de citações sem trazer aqui esta outra, que, embora doutras paragens e doutro tempo, conclui admiravelmente o pensar sábio de Tuávi, a deste poema aborígene: “Somos todos visitantes deste tempo, deste lugar. Estamos só de passagem! Nosso objetivo é observar, crescer, amar…E depois voltamos para casa.”

João Gago da Câmara