As palavras do João – Os meninos ainda sonham

Os meninos ainda sonham. Sonham com a viagem do Pai Natal desde a Lapónia até à chaminé de lá de casa, com a prenda no sapatinho e com a família reunida à volta da mesa farta, com o nascer doutro menino de uma senhora virgem e pura com o bonito nome de Jesus e com a dádiva na alegria e da partilha na solidariedade.

Os meninos ainda sonham que o velho das barbas brancas regressou aos gelados frios do norte agora de mãos vazias mas cheio de alegria no coração, e sonham com os repiques dos sinos da igreja da rua ao lado que tanto anunciaram paz e amor. Sonham com as guloseimas, os carros, os comboios, os bonecos e as bolas, com o acender e apagar das luzinhas da árvore cheirosa.

Os meninos nem sonham que os bisavós estão velhos e ligados às máquinas em camas de hospitais, que houve quem não comesse na noite da consoada e que existem outros meninos, tão pequenos quanto eles, que foram mais uma vez estropiados às mãos de adultos insensíveis e anormais. E nem sonham como noutras latitudes outros ainda viram extinguir-se as suas vidas às mãos dos senhores da guerra. Os meninos muito menos sonham como alguém responsável do seu país foi capaz de mandar embarcar os seus irmãos mais velhos, atirando-os para outras paragens, emigrados na certeza de que já não podem mais servir o seu país na vontade e na competência, nem tão pouco que outros meninos continuam a ser arremessados para os becos da prostituição e da droga e outros para a adoção.

Os meninos ainda sonham que haverá natais todos os dias e que todos serão tão bons quanto o é o pai natal. Será por isso que a esperança ainda pisca como a luz na árvore? É por essa esperança dos meninos que continuam a haver Natais? Só pode ser.

João Gago da Câmara