As palavras do João – Mais cortes da tirania
Helder Macedo, conceituado poeta, romancista, ensaísta, crítico e investigador literário português, lamenta que se esteja a “desfazer” tudo quanto foi feito após o 25 de Abril em Portugal, onde atualmente “não há censura, mas há neutralização”, numa política passível de nem encontrar paralelo com a ditadura.
O professor emérito da Universidade de Londres, em entrevista à agência Lusa, em Macau, referia, e citamos: “Acho sincera e honestamente – e isto não é uma coisa, de forma nenhuma, panfletária -, que nós temos o pior governo que se pode imaginar e que eu observei, mesmo pensando em termos do que foi a política cultural do tempo da ditadura”, quando comentava os cortes “em tudo quanto é investimento cultural, no sentido amplo” – proferiu.
O corte de 15 milhões de euros a menos no orçamento da Secretaria de Estado da Cultura anunciado na Assembleia da República este mês de março pelo governo português, com o secretário de Estado a comentar que com o corte irá “tentar” manter a prestação do serviço público, representa o mais recente atentado contra a cultura, que, entre outras áreas de intervenção do executivo, continua a ser o parente pobre da política nacional.
Recordo o actor Ruy de Carvalho, que, em maio de 2013, veio expressar a sua indignação e “angústia” face ao que diz ser a “rapina com que o fisco está a executar o músculo da cultura portuguesa”, acusando o então ministro das finanças de “institucionalizar o roubo”, perante “o silêncio do Primeiro Ministro e os olhos baixos do Presidente da República”. Este “monstro” da representação nacional, um dos mais conceituados atores que ainda nos resta de meados do século passado, embora nos seus provetos 86 anos, prosseguia na sua carreira com o indissociável respeito e admiração das plateias e das televisões. Divulgava Ruy de Carvalho na sua página do Facebook que recebeu uma carta das Finanças que indica que já não é “artista” – pasme-se! … passando a ser apenas um “prestador de serviços”. “Hoje, para o Fisco, deixei de ser Actor … e comigo, todos os meus colegas Actores e restantes Artistas deste país” – comentou Ruy de Carvalho, que, não sendo suficiente a ignomínia, deixou de ter direitos conexos e de propriedade intelectual.
Mas há balofos que vão ler isto e atribuir os dizeres de Helder Macedo e de Ruy de Carvalho à maledicência, à esquerda a denegrir, à proximidade de eleições, à ignorância sobre as condições do Estado pagador e das suas reformas salvadoras. Que vergonha de gente!
Um forte abraço, Sr. Ruy de Carvalho, e um muito obrigado certamente do país inteiro pelo muito que fez em prol da arte de bem representar em Portugal.
João Gago da Câmara